segunda-feira, 8 de setembro de 2008

PEDAÇO DE MAR

A série de fotografias “Re-visão”, de Paola Parcerisa (Paraguai, 1968), é um registro da intervenção urbana desenvolvida pela artista para a Bienal Ceará América, em 2002. Há um pedaço de mar espelhado, feito uma tela pintada, solta no campo enquadrado de cada fotografia, que chama atenção por parecer deslocado. O ambiente em torno do espelho sugere um contraste. São quase sempre casinhas sustentadas em dunas ou prédios antigos da Praia de Iracema (esquecidos duplamente, pelo governo e pela população local). Qual a ponte entre essa realidade de água azul, imensa e absoluta, e essa outra, de uma arquitetura muitas vezes suja, velha e frágil, que se ergue amontoada? O que as une e o que as separa?
Paola deslocava-se pela cidade, nas regiões que antecedem a barreira de concreto dos altos prédios instalados na orla marítima, buscando aqueles lugares em que ainda se podia encontrar o reflexo do mar. Uma vez que a construção de grandes edifícios na beira da praia tomou impulso, torna-se quase um desafio achar brechas por trás desse muro que vai se fechando aos poucos, que nos dificulta o convívio com o mar, ironicamente tão próximo.
Paola pedia ajuda aos moradores dos bairros por onde passava para encontrar, por entre essas brechas, o local exato do reflexo e, então, posicionar o espelho. Aqui o seu trabalho claramente se trata de uma pesquisa. Mais do que as fotografias, valem as conversas e experiências absorvidas. O momento vivido, no qual ela se concentra no outro, observa-o mais de perto e quer conhecê-lo – o nativo, a cidade desconhecida -, talvez seja o que realmente importa.
Essa pequena investigação sua me faz pensar no documentário, compreendido como gênero audiovisual que se dá, por natureza, ao risco de trabalhar com o real, que se assume instável e subjetivo, que se joga no encontro com o mundo, que permite a exploração daquilo que ainda não é por inteiro esclarecido. Na verdade, é assim mesmo que percebo o trabalho de Paola, tendo em mente o processo que deu origem às fotos: as prováveis perguntas que moveram a artista (o desejo inicial), os percursos seguintes e a bagagem adquirida.
Creio que a obra de arte só poderá de fato comunicar, fazer sentido, quando o artista a produz de forma verdadeiramente honesta e íntegra. O trabalho mais sincero e mais convincente é aquele através do qual o artista busca conhecer algo. Ele parte de uma necessidade sua, um desejo seu antes de tudo, e cria, portanto, inicialmente para si. Só depois se cria para o mundo.
(A série de fotografias intitulada Re-visão, da artista visual Paola Parcerisa,
participou da exposição Ligações Cruzadas no período de 13/12/07 a 13/03/08)
Raisa

Um comentário:

Clarisse disse...

e o espelho também sempre me remete à idéia de "realidade paralela",
que é o que acontce ali na praia de Iracema,
um bairro "maquiado" pro usufruto mais do turismo do que pras pessoas que nasceram ali
e têm no mar sua forma de sobrevivência.

Um mar que anda meio cansado de tanta sujeira que vem lá dos lindos hotéis miamizados da beira-mar.